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Explante mamário e o BII: o que diz a ciência?

Fonte: SBCPBLOG. Acesso em: 04/05/2021.

Nos últimos anos, diversos grupos e organizações de pacientes nas redes sociais têm se mobilizado para dar voz ao relato de inúmeras mulheres que têm autorreportado uma série de sintomas que surgem após a reconstrução ou aumento mamário com implantes de silicone. Esses sintomas incluem, por exemplo, fadiga, dores nas articulações e nos músculos, perda de cabelo ou mesmo alterações de peso, sintomas que estas mulheres referem surgir como resultado do uso de implantes mamários.

O termo utilizado entre o público leigo para se referir a esse conjunto de sintomas, sistêmicos e inespecíficos, é “Breast Implant Illness”, livremente traduzido como doença do silicone. Embora algumas mulheres relatem nas redes sociais e estudos reportem melhora ou resolução destes sintomas após o explante, a causa destes sintomas e o grau em que podem estar relacionados aos implantes ainda não estão claros para a ciência.

“Esse grupo de mulheres começou a levantar questionamentos para os quais ainda não temos respostas. O que temos é um grupo de pacientes que afirma ter sintomas inespecíficos e que, para melhorá-los ou evitá-los no futuro, buscam o explante mamário”, afirma a Regente do Capítulo de Biomateriais e Próteses da SBCP da Sociedade Brasileira e Cirurgia Plástica (SBCP), Dra. Anne Groth. Poucos dispositivos médicos foram tão estudados ao longo das últimas décadas como o implante de silicone e, até o presente momento, há evidência científica que ampara a utilização deles com segurança. “Ao mesmo tempo, os sintomas relatados pelas pacientes precisam ser considerados com a maior seriedade e respeito e estudos neste tema são muito importantes e já estão a caminho”, observa a médica.

Atualmente, a FDA afirma que o BII não é reconhecido como diagnóstico médico formal e não há testes específicos ou critérios reconhecidos para sua definição. Entidades que representam a cirurgia plástica no mundo, como a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e Sociedade Americana de Cirurgia Plástica (ASPS), adotam a mesma postura e enfatizam que, até o momento, não há evidências científicas definitivas que sustentem a ligação entre implantes mamários e a chamada doença do silicone. Em um documento divulgado em agosto de 2020, a Sociedade Americana de Cirurgia Plástica (ASPS) chamou a atenção para o fato de que a comunicação nas redes sociais pode ser a responsável pelo rápido aumento nos relatos das pacientes e que há muitos fatores que podem afetar a interação entre uma paciente e seus implantes mamários.

“As pacientes se autodiagnosticam com doença do silicone e não levam em consideração que os sintomas podem ser multifatoriais ou ainda relacionados a outras doenças como as reumáticas ou autoimunes”, observa o Dr. Ricardo Miranda. A Síndrome ASIA, explica ele, é uma abreviação do inglês de “síndrome autoimune induzida por adjuvantes”, podendo o silicone das próteses mamárias atuar como adjuvante.

E, embora alguns sintomas da Síndrome ASIA sejam relatados no BII, é preciso notar que a Síndrome ASIA é uma doença reconhecida e apresenta critérios maiores e menores para seu diagnóstico. “A BII não é uma doença reconhecida pela classe médica e não apresenta critérios definidos para diagnóstico. É preciso acolher as pacientes que procuram o explante, mas sempre à luz da ciência. A relação da prótese de mama e ASIA ou doenças reumáticas ainda é inconclusivo”, diz.

Algumas perguntas importantes, observa o cirurgião plástico, seguem ainda sem resposta da ciência. A prótese de mama íntegra pode ser um adjuvante na Síndrome ASIA? Seria a BII uma doença de fato e qual sua etiologia? Como saber que o silicone das próteses de mama é o adjuvante e não outras substâncias que a paciente foi exposta? Outra questão importante é se toda paciente que solicita a retirada da prótese mamária deve ser submetida a um explante em bloco. “Precisamos entender melhor a relação da prótese de mama e sintomas sistêmicos, estudar a etiologia, encontrar um método diagnóstico, além de critérios clínicos, e estabelecer em quais pacientes o explante em bloco pode ser benéfico”, esclarece o Dr. Ricardo.

UMA REALIDADE NOS CONSULTÓRIOS

No Brasil ainda não existe um número oficial sobre o total de explantes, mas esse aumento já é uma realidade na rotina dos consultórios. O Dr. Gustavo Stocchero, de São Paulo, conta que houve um aumento de mais de 300% na procura pelo explante no seu consultório em 2020. Mas, pondera, o número só é alto quando comparado com a procura em relação a 2019. “Em 2019, eu devo ter feito uns dois explantes e, ano passado, foram cerca de 12. Tem muita paciente procurando e, sem dúvida, a mudança é expressiva”, observa.

Outro cirurgião plástico que viu essa procura aumentar foi o Dr. Wendell Uguetto, também de São Paulo. Ele relata que nunca fez tantos explantes mamários como em 2020. “Tivemos uma moda de mamas grandes há 10 anos. Mas agora é o contrário. Essa mudança fez com que muitas pacientes procurassem pelo procedimento”, avalia. O Dr. Ricardo Votto, de Santa Catarina, notou esse crescimento há mais ou menos um ano e afirma que está cada vez mais frequente.

“A maioria das pacientes que recebo colocaram implantes de silicone há 10 ou 15 anos e contam que, hoje, em outro momento da vida, as próteses não fazem mais sentido no cotidiano delas.” Em seu consultório, no Recife, o Dr. Thiago Morais notou esse aparecimento” de mulheres atrás do explante no último ano. “O explante é uma situação real no Brasil e no mundo e irá aumentar. O cirurgião plástico tem que olhar para esse cenário com um olhar humano e a mensagem é não negligenciar as queixas das pacientes, mas amparar e acompanhar”, pontua. Na rotina do Dr. Guilherme Graziosi, do Rio de Janeiro, também houve esse aumento. O perfil destas pacientes que chegam até ele é de mulheres com idade entre 20 a 40 anos. “Tive dois casos de explante. Uma delas veio com o diagnóstico de síndrome de ASIA, confirmado por um reumatologista. A outra paciente veio por conta própria por apresentar sintomas frustros e “linkando” estes sintomas ao uso do silicone.

Ambas relataram melhoras de alguns sintomas após os explantes, mas não temos como correlacionar o explante a estas melhoras.”

CIÊNCIA EM BUSCA DE RESPOSTAS

Pesquisadores, cirurgiões plásticos e as principais sociedades de cirurgia plástica e autoridades de saúde pelo mundo estão mobilizados para entender melhor a doença do silicone e Síndrome ASIA. Algumas revisões recentes investigando o BII e a segurança dos implantes mamários começam a lançar alguma luz sobre o tema.

Lá fora, um dos focos da força-tarefa com diferentes pesquisadores da Fundação de Educação e Pesquisa em Cirurgia Estética (ASERF), braço de pesquisa da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica (ASPS), é entender a relação entre os sintomas e os implantes mamários. “Mais estudos são necessários para determinar o melhor método de triagem de pacientes antes da cirurgia de implante mamário e para determinar quais pacientes, se desenvolverem BII posteriormente, têm probabilidade de melhorar com a remoção do implante”, observou a ASPS em documento do ano passado.

Para melhorar, mas não substituir a discussão médico-paciente sobre os benefícios e riscos dos implantes mamários, que pertencem exclusivamente a pacientes individuais, a FDA emitiu, no ano passado, uma orientação final para a rotulagem de implantes mamários e deter minou que as caixas devem conter três informações aos pacientes: que os implantes não são vitalícios, que os implantes texturizados estão associados ao BIA-ALCL e que os pacientes  devem ser informados de que há relatos de pacientes com implantes que têm reportado uma série de sintomas sistêmicos. “O que falta é fazer esse link do implante mamário com todo esse conjunto de sintomas. Talvez existam algumas pacientes que, por alguma questão imunológica, estejam predispostas a desenvolver algum sintoma adverso”, afirma a Dra. Anne.

A cirurgiã plástica cita um estudo canadense, que avaliou 100 pacientes submetidas à explante, para mostrar que a questão do BII ainda segue uma pergunta em aberto para a ciência. Elas foram divididas em três grupos de acordo com a melhora dos sintomas. No grupo 1, houve melhora em 80% dos sintomas físicos, enquanto, no grupo 2, houve melhora dos sintomas por um período e retorno dos sintomas após 6-12 meses. Já no terceiro grupo não houve melhora dos sintomas físicos após o explante.

“Os dados apontam que algumas pacientes melhoram, outras não e outras melhoram transitoriamente. A grande questão que precisamos responder é se o implante de silicone está, de fato, causando sintomas nocivos e como podemos determinar quem são as pacientes mais suscetíveis a desenvolver estes sintomas sistêmicos”, avalia.

No Brasil, a SBCP, por meio do Capítulo de Implantes e Biomateriais, deu início este ano a um estudo lidera do pelo Dr. Denis Valente, de Porto Alegre, que unirá cirurgiões plásticos que fazem explantes para obter dados nacionais sobre o tema. O Dr. Ricardo Miranda, membro da entidade, publicou recentemente na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) um estudo no qual avaliou o explante em bloco de prótese mamária de silicone na qualidade de vida e evolução dos sintomas da síndrome ASIA. Foram analisadas15 pacientes com síndrome ASIA e submetidas à explante da prótese de mama e reconstrução com mastopexia. Durante o acompanhamento de 12 meses, elas foram avaliadas quanto à evolução dos sintomas. Os sintomas mais comuns, como mialgia, artralgia, fadiga crônica, pele e cabelos secos, tiveram melhora em mais de 80% das pacientes operadas ao final de 12 meses de acompanhamento.

O estudo concluiu que o explante de prótese de mama em pacientes com a Síndrome ASIA “parece estar associado” à melhora da qualidade de vida e diminuição dos sintomas relacionados à síndrome e que “são necessários outros estudos”, com uma amostra maior e análise estatística, para investigar a correlação causal entre explante de prótese de mama com a melhora da qualidade de vida e diminuição dos sintomas.

EDUCAÇÃO DA PACIENTE

Uma pesquisa conduzida pelo Dr. Ricardo Votto, entre setembro e outubro de 2020, trouxe à tona outros detalhes sobre o explante: cerca de 25% dos médicos tiveram pacientes que solicitaram o reimplante nas mamas após o explante, a despeito dos sintomas, por não aceitarem sua imagem sem eles. O dado foi extraído a partir de um questionário enviado por ele para aproximadamente 200 colegas de especialidades, como reumatologistas, cirurgiões plásticos e mastologistas, que responderam sobre suas realidades em consultório. Outro dado aponta que a maioria das mulheres que procuram pelo explante são motivadas pelas redes sociais e pelo medo de vir a ter a condição, e não tanto por apresentar os sintomas relacionados ao BII.

Os resultados finais serão submetidos para publicação na RBCP. Ainda que perguntas importantes estejam sem respostas, o papel do médico neste debate é educar a paciente tendo a ciência e as práticas éticas ao seu lado. “Se a paciente tem uma prótese submuscular ou se não tem nenhuma doença, mas tem uma vontade maior de tirar a cápsula, vou explicar para ela que, se eu tiver problema na cirurgia, não vou tirar. A paciente não pode exigir isso do médico e ele só deve fazer se existe uma doença”, opina a Dra. Ruth Graf, do Paraná. “Este é o momento em que podemos fazer a diferença como médicos, expondo o que existe de ciência até o momento sobre BII, que é muito pouco, e as orientando sobre as melhores opções para cada caso”, reforça a Dra. Anne.

O norte-americano Bradley Calobrace, cirurgião plástico que é uma das maiores autoridades no mundo em cirurgia de mama, disse por e-mail em resposta a esta pergunta: “Este não é um momento para operar com base em evidências anedóticas ou palpites. É importante seguir as orientações da medicina baseada em evidências mesmo quando as informações disponíveis são limitadas”.

Para o presidente da SBCP, Dr. Dênis Calazans, é preciso auxiliar as pacientes a compreender que os estudos têm sido realizados para estabelecer ou não a relação entre BII e implantes mamários e que estes dados não são obtidos na velocidade das redes sociais. É importante ouvir e acolher as queixas das pacientes e apresentar as opções seguras e éticas, baseadas em evidências científicas, para pacientes que desejam explantes por BII. Nós, cirurgiões plásticos, não podemos vender soluções mágicas e desprovidas de ciência”, diz.

Fonte: Revista Plastiko’s – Edição 226.

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